Henry Ford tentou, sem sucesso, produzir borracha e utopias na Amazônia
Carlos Haag
Abril 2009
© Reprodução do livro Fordlandia, de Greg Grandini
Carlos Haag
Abril 2009
© Reprodução do livro Fordlandia, de Greg Grandini
Em novembro de 1938 Joseph Goebbels assistiu entusiasmado à estreia de O inferno verde, dirigido pelo cineasta alemão Eduard von Bosordy, rodado em grande parte na selva amazônica: “Uma película valorosa, política e artisticamente”, elogiou o ministro da Propaganda nazista. O filme, embora inspirado num fato histórico, era uma fantasiosa defesa do colonialismo e tinha como “herói” e protagonista o explorador inglês Henry Wickham (1846-1928), que, após enfrentar índios com flechas venenosas, piranhas, crocodilos e uma anaconda imensa, retorna ileso para a Inglaterra com 70 mil sementes da Hevea brasiliensis, a seringueira, disposto a replantá-las na Malásia britânica e, assim, destruir o monopólio brasileiro da borracha. Curiosamente, naquele mesmo ano, o industrial americano Henry Ford (1863-1947), fundador da Ford Motor Company e o primeiro empresário a aplicar a montagem em série para produzir automóveis em massa, viajou à Alemanha para receber, tal qual um herói, uma alta condecoração por seu apoio ao nazismo e à luta antissemita (Hitler tinha uma foto dele em seu gabinete). Na ocasião, Ford disse aos repórteres que a Fordlândia, a desastrada tentativa do americano em estabelecer uma plantação de borracha na Amazônia entre 1927 e 1945, estava à disposição para receber judeus “indesejados” pelos alemães, já que “são meus melhores trabalhadores lá na América”.
O “encontro” de Wickham e Ford, ambos ligados aos altos e baixos da economia brasileira da borracha, um ano antes do conflito que colocaria o colonialismo do primeiro em xeque e revolucionaria o imperialismo do último, e faria ambos dependentes dessa mesma economia, revela a notável e inusitada associação entre essas duas figuras. Ao “roubar” as sementes e ajudar na transferência do monopólio da borracha do Brasil para a Inglaterra, Wickham não poderia imaginar que, em 1922, poucas décadas após sua empreitada, os ingleses abririam mão do discurso liberal e se veriam obrigados a distorcer o mercado da borracha, diminuindo a produção, superestimada, para tentar aumentar os preços do produto, antes cotado a peso de ouro. Essa guinada, por sua vez, empurraria os americanos, em particular Ford, cuja imensa produção de automóveis requeria borracha a preços baixos, a entrar na concorrência da produção de seringueiras no Brasil, um desafio à “descortesia” comercial britânica. O resultado dessa aventura ianque seria a Fordlândia, um projeto utópico de recriar, na selva, uma América que, segundo Ford, havia sido conspurcada pelo capitalismo que ele próprio ajudara a fortalecer. Ao lado de sua cidade--irmã, Belterra, ambas próximas ao rio Tapajós, custaram a Ford mais de US$ 20 milhões, em valores da época. O investimento inicial previsto para estabelecer uma plantation eficiente de borracha no Brasil que pudesse abastecer a demanda interna da Ford Company era de menos de US$ 2 milhões. “Em duas décadas, Ford gastou milhões de dólares e acabou sem sua plantation, devastada pela falta de trabalhadores e pelo mal das folhas, mas com duas cidades ‘americanas’, hoje abandonadas, com praças centrais, calçadas, chalés estilo suíço, hospitais, lojas, cinemas, campos de golfe, piscinas e, é claro, Ford modelos T e A circulando pelas ruas de terra batida”, explica o historiador Greg Grandin, professor associado da New York University e autor de Fordlandia: the rise and fall of Ford’s forgotten jungle city, a ser lançado nos EUA em junho. Ironia à parte, acaba de ser lançado The thief at the end of the world, de Joe Jackson, que conta a vida de Wickham.
© Reprodução/Hart Preston/life
Afinal, tudo começou na Amazônia, a partir da descoberta da utilidade comercial da seringueira, já em 1750, pelos portugueses. Quando, em 1839, Charles Goodyear criou o processo de vulcanização, que modificava a borracha e permitia que ela fosse utilizada em altas temperaturas, o Brasil era o único país em que a matéria-prima era encontrada, ainda que por um “acidente geográfico”. Até a virada do século XX, o país era responsável por 90% da borracha comercializada no globo. “A indústria brasileira consistia de uma estrutura baseada no extrativismo direto da floresta, com escassez de mão de obra e ausência total de competição. Esse sistema funcionaria bem enquanto a demanda por borracha não crescesse muito e que outra forma de exploração, mais racional, entrasse na competição. Entre 1900 e 1913 essas condições desapareceram”, observam os economistas Zephyr Frank, da Stanford University, e Aldo Musacchio, do Ibmec. A popularização mundial da bicicleta deu início ao “boom da borracha”, intensificado em muito, a partir de 1900, com o desenvolvimento da indústria do automóvel. “O aumento da demanda fez os preços subirem como foguete e isso foi um grande incentivo para a entrada de outros produtores no mercado. O contrabando das sementes por Wickham, ao resolver o dilema de qual seria a fonte da borracha de boa qualidade dos brasileiros (até o século XIX, várias expedições científicas tentaram sem êxito localizar a árvore exata e transportar suas sementes com segurança para Londres), fez a balança pender para o lado europeu”, notam. A Ásia era dominada pelo sistema colonial inglês e holandês, oferecia mão de obra barata, ao contrário da brasileira, cara por ser escassa, e condições ideais para transformar uma atividade extrativista numa indústria eficiente organizada em plantations de baixo custo. “Enquanto a borracha brasileira era coletada na selva, a produção não poderia ir além de 40 mil toneladas por ano por melhor que fosse o preço. Essa quantidade era insignificante em face das crescentes aplicações industriais da borracha”, escreve Warren Dean em seu A luta pela borracha no Brasil.
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Os ingleses demoraram a iniciar suas plantations, mas quando o fizeram foram, sem querer, longe demais. “A produção dos plantios orientais cresce mais do que as necessidades do mercado, acumulando estoques e fazendo cair a cotação do produto. O governo inglês, então, se vê obrigado a intervir com uma política de restrição da produção para impor preços mais elevados, o chamado Plano Stevenson. Governo e empresas americanas, pegos de surpresa no auge da demanda em face do crescimento das suas indústrias, passam a pregar a doutrina do ‘é necessário produzir borracha sob controle dos EUA’”, explica o economista Francisco de Assis Costa, da Universidade do Pará. “Se as oligarquias do café, beneficiadas pelas políticas de valorização do governo, têm as portas do financiamento internacional abertas, a oligarquia da borracha, na Amazônia, está em abandono e decadência após o cultivo dos ingleses na Ásia. Quando sabem dos planos dos EUA, imediatamente decidem que ‘a Amazônia quer os americanos’. A possibilidade de ter capitais apenas aceitando a ocupação da região remota era, para eles, a ocasião ímpar de recriar uma Amazônia útil na federação. O que era apenas intenção dos americanos transforma-se no centro de uma proposta política nacional de ocupação de uma região para a qual não se tinha nenhuma política”, analisa Costa. Na América, porém, a conclamação do então secretário de Comércio (e futuro presidente dos EUA), Herbert Hoover, para que empresários americanos investissem no cultivo da borracha na América Latina, como forma de fugir ao cartel inglês, inclusive enviando expedições científicas ao Brasil com este fim, só encontrou eco em dois empreendedores: Harvey Firestone, que preferiu investiri em plantations na Libéria; e Henry Ford, que, em 1924, havia tentado, sem sucesso, cultivar borracha na Flórida.
“Mas não foi apenas a busca por fontes de matéria-prima mais barata que fez Ford voltar-se para o Brasil. Aos 60 anos, ele estava desiludido com os rumos tomados pela América. Dizia-se frustrado com a política doméstica e abominava a adesão americana à guerra, os sindicatos, Wall Street, os monopólios de energia, os judeus, dança moderna, Roosevelt e seu New Deal, cigarros, álcool e a crescente intervenção do governo nos negócios”, observa Grandin. “Era uma espécie de ‘pastoral americana’ que não via oposição entre natureza e industrialização. Para gente como Ford, era possível reunir agricultura e indústria, já que a mecanização marcaria não a conquista, mas a realização dos ‘segredos’ da natureza. A sua pretensão era de que os americanos tivessem como missão recriar o Éden capitalista”, completa. “Não estamos indo para o Brasil para fazer dinheiro, mas para ajudar a desenvolver aquela terra maravilhosa e fértil. Vamos treinar os brasileiros e eles vão ser ótimos profissionais como os nossos”, afirmou Ford. Num paradoxo, nota Grandin, o mesmo homem que ajudou a libertar o poder da industrialização e revolucionou as relações humanas passou o resto da vida tentando recolocar o gênio na garrafa. “A Fordlândia representa de forma cristalina a utopia que movia Ford então, e por extensão o ‘americanismo’. Revela a fé que o movimento em direção a uma maior eficiência pode ser manipulado de forma a que a tecnologia, sem intromissão do governo, pode resolver qualquer problema social que surja do avanço do progresso”, analisa o historiador. Fordlândia seria então uma parábola de arrogância, mas de outra espécie, apenas uma exibição do poder de Ford em domar a natureza selvagem. “A verdadeira arrogância do empreendimento era que ele acreditava que as forças do capitalismo, uma vez libertadas, poderiam ser controladas por sua vontade”, acredita Grandin.
“Mas não foi apenas a busca por fontes de matéria-prima mais barata que fez Ford voltar-se para o Brasil. Aos 60 anos, ele estava desiludido com os rumos tomados pela América. Dizia-se frustrado com a política doméstica e abominava a adesão americana à guerra, os sindicatos, Wall Street, os monopólios de energia, os judeus, dança moderna, Roosevelt e seu New Deal, cigarros, álcool e a crescente intervenção do governo nos negócios”, observa Grandin. “Era uma espécie de ‘pastoral americana’ que não via oposição entre natureza e industrialização. Para gente como Ford, era possível reunir agricultura e indústria, já que a mecanização marcaria não a conquista, mas a realização dos ‘segredos’ da natureza. A sua pretensão era de que os americanos tivessem como missão recriar o Éden capitalista”, completa. “Não estamos indo para o Brasil para fazer dinheiro, mas para ajudar a desenvolver aquela terra maravilhosa e fértil. Vamos treinar os brasileiros e eles vão ser ótimos profissionais como os nossos”, afirmou Ford. Num paradoxo, nota Grandin, o mesmo homem que ajudou a libertar o poder da industrialização e revolucionou as relações humanas passou o resto da vida tentando recolocar o gênio na garrafa. “A Fordlândia representa de forma cristalina a utopia que movia Ford então, e por extensão o ‘americanismo’. Revela a fé que o movimento em direção a uma maior eficiência pode ser manipulado de forma a que a tecnologia, sem intromissão do governo, pode resolver qualquer problema social que surja do avanço do progresso”, analisa o historiador. Fordlândia seria então uma parábola de arrogância, mas de outra espécie, apenas uma exibição do poder de Ford em domar a natureza selvagem. “A verdadeira arrogância do empreendimento era que ele acreditava que as forças do capitalismo, uma vez libertadas, poderiam ser controladas por sua vontade”, acredita Grandin.
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Após tentar recriar seu Éden no Meio-Oeste americano, Ford, frustrado, recebeu a visita, em 1925, do diplomata brasileiro José Custódio de Lima, que há dois anos cortejava o industrial com ofertas de investimento no Brasil, mas, dessa vez, foi com carta branca do governador do Pará oferecendo, ao americano, concessões de terras e isenção de impostos. Desde 1914, a Ford Company operava no país e, naquele ano, a empresa tinha o monopólio nacional de veículos. Ford era visto pela elite industrial brasileira como o “Moisés do século XX”, como se referiu a ele um importante industrial paulistano (talvez desconhecendo o antissemitismo de Ford). Monteiro Lobato, que traduzira a sua biografia para o português, via nele o “Jesus Cristo da indústria”, cuja vida era “o evangelho messiânico do futuro”. Não se pode negar o mérito do homem que, na conversa com Lima, ao saber que um seringueiro ganhava 50 centavos de dólar por dia de trabalho, disse que “era preciso pagar no mínimo US$ 5, pois os brasileiros não devem trabalhar como escravos”. A imprensa amazonense, ao saber do interesse de Ford, encheu-se de entusiasmo. “Os jornais contrários à sua vinda são classificados como ‘jornais vermelhos’. Enquanto a imprensa se rejubilava com a vinda do capital estrangeiro, ‘esses esquerdistas’, escreveu um editorialista da época, ‘movem essa campanha de descrédito, criminosa e ingrata que reflete a pequenez desses patrioteiros que querem salvar o país;mas não será o ladrido dos rafeiros que há de afastar os dólares de Ford da ubertosa Amazônia’. Há também críticas fortes contra os paulistas, em especial os estudantes que teriam, notam os jornais do Pará, lembrado da região não para ajudá-la, mas para protestar contra o capital estrangeiro”, conta a geógrafa Elaine Lourenço, do Centro Universitário Nove de Julho. Não faltou na história o típico espertalhão: Jorge Dumont Villares, sobrinho de Alberto Santos Dumont. Segundo Grandin, ciente do interesse potencial dos americanos na região, Villares teria se aliado a funcionários americanos, incluindo-se um cônsul e um membro da comissão científica enviada em 1923 ao Brasil, para garantir junto ao governo do Pará a opção de compra de uma área de 2,5 milhões de acres no vale do Tapajós. Quando Ford enviou uma equipe para avaliar o melhor lugar a instalar sua plantação de borracha, conta o historiador, mostraram a eles apenas a área sob controle de Villares, que lucrou na negociata US$ 125 mil em terras que as autoridades paraenses pretendiam doar para a empresa americana. Mesmo o avaliador de Ford teria entrado na trama, descrevendo a região em “tintas dignas de um romance de Dickens, pronto a despertar em Ford o desejo de intervir e salvar aquela população da degradação, do vício, do álcool e da pobreza”. “Para confirmar que a lógica que empurrava Ford para a Amazônia ia além das leis da oferta e da procura, no momento em que recebeu o relato sobre a região ele já estava ciente de que o cartel inglês estava para ser desmontado, porque os holandeses não haviam aderido a ele. Ford foi aconselhado a desistir da ideia da plantation, mas foi adiante, ainda que os preços da borracha estivessem em queda”, conta Grandin. “Vou ver minhas terras de avião com meu amigo Charles Lindbergh”, disse Ford ao revelar para a imprensa seus planos.
Ele nunca veio, mas dois navios chegaram em 1927 ao Brasil com material tecnológico de última geração suficiente para criar uma “cidade americana” na selva. O contrato da criação do empreendimento na Amazônia explicitava que não haveria nenhuma forma de inserção brasileira nas atividades de Ford em território nacional. No ano seguinte, quando se iniciaram de verdade as operações de Ford, morreu Henry Wickham, apelidado, então, de “Henry I”: lembrando a “traição” passada, a imprensa brasileira começava a questionar a “invasão ianque” no Amazonas. As coisas não iam mesmo bem: o primeiro diretor da companhia, mal chegado na região, cometeu vários erros, incluindo-se o desflorestamento de uma vasta área para abrigar as instalações, destruindo a madeira preciosa que Ford via como forma de recuperar parte do seu investimento. O novo encarregado foi o comandante dos barcos que levaram o material, no espírito fordista de não confiar em especialistas, um engano que se provaria fatal para o empreendimento. “A estruturação da companhia se baseava na utilização de equipamentos avançados, por uma divisão acentuada de trabalho e por relações capitalistas de produção que iam de encontro à mentalidade da mão de obra local. Havia ausência de capital social básico e uma falta de conhecimento científico para o plantio e, acima de tudo, pela falta de um mercado de trabalho nas dimensões requeridas pelo empreendimento”, analisa Costa. Dados recolhidos pela companhia indicavam um potencial de 30 mil homens, volume razoável para que o negócio prosperasse nas bases fordistas. A realidade, porém, era outra: “Há muita gente sem emprego e solta por aí, mas quando você fala em trabalho para eles retrucam na sua cara que esse tipo de trabalho não interessa a eles. Preferem o trabalho sazonal, seja na agricultura, seja nas seringueiras e poucos se interessam pela Fordlândia”, exasperava-se um executivo americano.
“Tendo acesso relativamente livre à terra e aos recursos da natureza, dispondo assim dos meios de subsistência, o trabalhador negou-se a se submeter ao sistema fabril fordista, com horários, uniformes, cartão de ponto, sirenes de fábricas e pelo assalariamento”, explica Costa. Moralista, Ford proibia o consumo de bebidas alcoólicas e prostituição dentro dos portões da fábrica, o que obrigava os trabalhadores a “escapulir” para regiões vizinhas, apelidadas de “Ilha dos Inocentes”, que passaram a concentrar criminalidade e violência. Os americanos igualmente não se interessavam em aproximar-se dos brasileiros. A piada corrente dizia que após um ano na Fordlândia um americano sabia dizer “uma cerveja”; após dois anos, já conseguia falar, em português, “duas cervejas”. As casas, feitas em moldes americanos, não serviam ao clima nem ao temperamento nacional, com seus telhados baixos e janelas grandes que permitiam a entrada de mosquitos. Ainda assim as moradias eram regularmente visitadas por agentes da inspeção sanitária que cobravam dos trabalhadores, em casa e nas ruas, hábitos de higiene. Havia escola para as crianças e os salários, relativamente altos, eram pagos com total pontualidade. Ford preconizava ainda que se plantassem flores diante das soleiras, o que, segundo ele, era uma forma de embelezar o local de trabalho. O relógio de ponto, porém, era odiado pelos funcionários, cujos horários também eram regulados, nos moldes capitalistas modernos, por apitos e por fiscais. Ford exigia que a comida fosse saudável e os caboclos se viram obrigados a comer aveia no café da manhã, abrindo mão do feijão e da farinha. A mera mudança do sistema de alimentação gerou uma crise que colocou a vida dos americanos em risco. Em vez de serem servidos pelas mulheres, os trabalhadores, certo dia, se depararam com uma cafeteria com bandejões. “Não somos cachorros”, foi o grito geral. A equipe de Ford se viu obrigada a passar a noite num barco no meio do rio, sendo resgatada no dia seguinte por um destacamento policial. Voltaram a comer o bom feijão.
Sem mão de obra suficiente, insistindo em aplicar métodos fordistas na região e com um parco conhecimento do cultivo da seringueira, o empreendimento não prosperava. “Em 1929, a companhia já havia gasto mais de US$ 1,5 milhão e tinha pouco a apresentar. Por volta de 95% das sementes plantadas não germinaram ou morreram e metade da madeira retirada foi perdida ao ser queimada. Fordlândia crescia em grandes proporções, mas as instalações, elaboradas, nada tinham com o negócio central do projeto: produzir borracha. Apenas em 1933, em desespero, é que a companhia Ford chamou James Weir, um técnico em agricultura que trabalhara com seringueiras na Ásia”, conta Grandin. A proposta de Weir, diante da praga que consumia as árvores, foi radical: abandonar Fordlândia, que se transformaria num local de experimentos contra o mal das folhas, e criar uma nova plantação em Belterra. “Num reverso do contrabando das sementes de Wickham, Weir propôs que se importassem novos híbridos da Malásia, justamente aqueles gerados a partir da pirataria do inglês. Para piorar, o novo local escolhido era próximo do sítio onde Wickham havia coletado as sementes 57 anos antes”, revela o historiador. Como se não bastasse, o empreendimento teve problemas com o governo local, que viu na importação a repetição do golpe britânico. Para sorte de Ford, a revolução de 1930 colocou Vargas no poder, cujo nacionalismo sabia compactuar com o capital estrangeiro, em especial para cumprir sua promessa de recuperar a Amazônia. Convidado pela família Ford, Vargas visitou Belterra em 1940 e saudou o trabalho do americano como um exemplo a ser seguido. “Ainda assim a Companhia Ford do Brasil foi incapaz de se estruturar seja para o lucro, seja para atender às necessidades da Ford Company. E isso em decorrência da incapacidade de formar a massa de meios de produção para obter a borracha. Incapaz de subordinar a força de trabalho em volume adequado, não conseguiu atingir níveis de produção que permitissem lucro e muito menos para alcançar escalas maiores de produção”, observa Costa.
A Segunda Guerra Mundial e a necessidade por borracha, já que a Ásia britânica estava em mãos dos japoneses, trouxeram uma tentativa de galvanizar o empreendimento fordista com a chegada de técnicos americanos, investimento de dinheiro de Washington (para horror do liberal republicano Ford). Afinal, como afirmou o presidente Roosevelt: “Não se pode fazer a guerra moderna sem borracha”. O esforço internacional e o recrutamento dos chamados “soldados da borracha” não mudaram o quadro terrível em Fordlândia e Belterra. Em 1937, 1.200 acres foram desflorestados para receber mais de 2,2 milhões de sementes. Em 1941 o número aumentou para 3,6 milhões. Em 1942, porém, a produção não conseguiu ir além de meras 750 toneladas de borracha, uma fração das 45 mil toneladas extraídas no auge do boom da borracha. Após gastar US$ 20 milhões, Ford vendeu tudo ao Brasil por US$ 500 mil.
“Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, as novas possibilidades abertas com a produção da borracha sintética, a própria especialização da Ford, que passara a concentrar sua indústria somente nos automóveis, e diante das resistências naturais e humanas, a companhia devolveu sua concessão ao governo brasileiro, que a indenizou pelas benfeitorias realizadas”, observa Elaine Lourenço. Em 1950 as duas cidades foram abandonadas. “Em maio de 1951 chegou o primeiro carregamento de látex de Cingapura no porto de Santos, produzido das árvores que descendiam diretamente das sementes roubadas por Wickham exatos 75 anos. Desde então o Brasil se viu obrigado a importar látex para fazer frente à sua demanda por borracha”, completa Grandin. Na criação de um império da borracha, o aventureiro colonial Henry I foi mais bem-sucedido do que o empreendedor moderno Henry II.
Revista FAPESP